Imunização de rebanho contra a Infodemia

Há 100 anos o Brasil enfrentava a Pandemia da Gripe Espanhola. O nome da gripe em nada tem correlação com a origem da doença. A Espanha levou a fama do vírus justamente por ser transparente na informação jornalística de sua disseminação diferentemente de outros países. Ainda sim, os meios de comunicação social em 1918, assim como hoje, adotaram políticas determinantes no esclarecimento da população sobre os melhores conhecimentos científicos disponíveis.

No caso brasileiro em curso um consorcio entre empresas de jornalismo monitora os números da Covid-19 diariamente contribuindo não apenas com o público, mas também com as autoridades sanitárias do país. Segundo um quase consenso entre a comunidade médica e órgãos sanitários internacionais, o distanciamento social associado ao uso de máscaras e higienização obsessiva das mãos é a melhor forma de evitar uma procura intensa de pacientes aos hospitais e que levem ao colapso dos sistemas de saúde e funerário.

Na Pandemia de 2020, entretanto, é o excesso e não a falta de informação o problema

Na Pandemia de 2020, entretanto, é o excesso e não a falta de informação o problema. Alguns já nomearam o fenômeno de Infodemia. Segundo o manifesto, assinado por centenas de profissionais dos Estados Unidos, Itália e Brasil, a Infodemia é um mal que compromete a busca por informações confiáveis sobre a nova doença, o que foi apontado pelo relatório “Ciência Contaminada” do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa).

Em conclusão, afirmam que: “A marca comum das campanhas de desinformação analisadas foi a minimização da gravidade da pandemia. Dizia-se que não passava de uma “grande histeria” e que as medidas de isolamento seriam uma cura pior do que o problema. A desinformação no campo da saúde pode provocar efeitos nefastos, interferindo diretamente com políticas de saúde pública, a exemplo da crescente rejeição às vacinas, que causa a volta de doenças tidas como erradicadas. No caso da Covid-19, o dano torna-se ainda maior dado que ainda não temos medidas farmacológicas que sejam capazes de tratar a doença, ou mesmo minimizar significativamente os seus sintomas.

A ironia nisso tudo é que justamente o isolamento nas redes sociais é fator determinante para criação de bolhas de insulamento mais permeáveis ao eco desinformativo e negacionista. São conteúdos que pregam contra medidas de enfrentamento da Covid-19, criam inimigos imaginários, curas milagrosas e teorias da conspiração. Internautas são presas fáceis a conteúdos de toda sorte de memes “inofensivos” a “estudos” científicos, sobretudo se estão predispostos a engajar com os conteúdos que tenham predisposição em acreditar.

No aplicativo de mensagens WhatsApp circulou entre a população do México que o Esteriflu, remédio para o tratamento da influenza, funcionava também contra a Covid-19. Já no Chile, chá quente, banho de sol e gargarejo eram eficazes na prevenção ao novo coronavírus. Na Europa torres de telefonia celular de 5G foram destruídas por acreditarem que poder-se-ia contrair o vírus por meio da rede. O Brasil não passou imune, com o perdão da palavra. Por aqui, óleos consagrados, receitas com coco, vitamina C e água quente com limão curam a doença, bem como o uso de álcool em gel nas mãos para prevenção do coronavírus altera resultado no teste do bafômetro.

Por tudo isso, diferentemente da pandemia em que o distanciamento social tem sido o método mais eficaz, contra a Infodemia devemos buscar a imunização de rebanho. Esse modelo consiste no alcance de uma taxa da população que deve estar imune à doença seja pela imunidade natural após serem contaminadas ou por meio de vacinas.

Entre 60% e 80% para a imunização de rebanho ser eficaz

O número ideal de pessoas imunes a uma doença deve estar entre 60% e 80% para a imunização de rebanho ser eficaz. O Reino Unido começou o combate ao novo coronavirus por meio dessa estratégia, mas logo a abandonou. Entretanto, contra a enxurrada de desinformação que popularmente são chamadas de “fakes news” deve-se buscar vacinar as pessoas acometidas pela noticia fraudulenta com fatos e dados que restabeleçam a informação correta e a imunidade informacional. O jornalista Kaveh Waddell da Consumer Reports’ Digital Lab aprovou em sua investigação jornalística alguns anúncios publicitários no Facebook com informações incorretas sobre o coronavirus.

Um dos anúncios alegou que as pessoas com menos de 30 anos são imunes e deveriam ir à escola, ao trabalho ou a festas. Outras afirmavam explicitamente que o coronavírus é um farsa. Outra mensagem encorajava as pessoas a ignorarem as recomendações de distanciamento social porque elas não fazem diferença. Uma das propagandas mais controversas dizia às pessoas para permanecerem saudáveis com pequenas doses diárias de alvejante. Todos anúncios foram aceitos e ficaram por uma semana prontos para publicação, mas evidentemente ele retirou. Não é de hoje que a área de saúde é atacada por teorias antivacinação e que só ganham musculatura em razão do engajamento sustentado por publicidade.

O PL 2630/20 em debate na Câmara dos Deputados que trata justamente da resposta contra os ataques à democracia, inclusive em meio a pandemia, deve determinar que as plataformas de internet que disponibilizarem conteúdo nocivo sejam obrigadas a garantir a informação correta, assegurando que todos os impactados pelo conteúdo, sem exceção, recebam as informações verificadas por fontes jornalísticas independentes e profissionais, em nome inclusive do direito à vida. Os modelos de financiamento por publicidade devem ser transparentes e em total respeito às leis do País. Democracia onde a mentira e a farsa reinam é apenas um conto de fadas às avessas. A imprensa livre em tempos de falta de informação foi suficiente para batizar o influenza de 100 anos na Gripe Espanhola. Mesmo após um século, a imprensa livre, ainda incompreendida, é porto seguro no mar da desinformação antes caracterizado pela escassez, hoje pela abundância.

Mas é o Congresso Nacional que por ora possui o tratamento decisivo por meio da transparência para devolver às vítimas da Infodemia uma vacina atemporal que não aguarda por laboratórios, aprovação de órgãos de saúde, tampouco necessita de testes em humanos: o direito à informação.

Artigo presente no Medium.com

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