No belo filme AI – Inteligência Artificial de 2001, dirigido por Steven Spielberg e adaptado de “Supertoys Last All Summer Long“, David, em uma evidente alusão a Pinóquio quer se tornar um menino de verdade. Ele é um robô criança programado para amar incondicionalmente sua mãe Monica que, através de uma sequência de comados por palavras, dá início à interação afetiva com seu filho robótico, estado da arte da IA para esse propósito.
David acredita que a Fada Azul pode transformá-lo em um menino real, permitindo assim que ele seja amado por sua mãe humana. Passados milhares de anos, embora a Fada Azul não possa torná-lo real, a tecnologia da época permite recriar Monica, por um único dia usando uma amostra de DNA de um fio de cabelo guardado por David. Ao desejar por isso, o menino IA tem como resposta da Fada Azul: “Seu desejo é uma ordem”. Esta recriação permite que David viva um último dia perfeito com a mãe – um final majestoso e poético. A Fada Azul, também uma IA de um futuro sem humanos, utiliza sua capacidade generativa para atender ao prompt do pequeno David.
Durante muitos anos, fomos habituados a usar o padrão de pesquisa na internet para buscar informações. Lembro de buscadores como Northern Light, Altavista ou o Cadê brasileiro dos anos 90, todos deixados no caminho por Google, Yahoo, Bing ou DuckDuckGo. “Googlar” virou expressão vocabular e hábito natural na busca por informação e resposta rápida.
Aos poucos, os prompts passam a ser uma parte significativa da busca de informações e respostas e ameaçam o modelo tradicional de pesquisas na internet, inclusive com uso de assistentes virtuais inteligentes. A diferença entre “prompt” e “search” está principalmente em como cada termo é usado, principalmente quando se trata de modelos de linguagem de IA e ferramentas de busca na internet.
O prompt é um comando ou estímulo que inicia a interação com um sistema de IA, como um modelo de linguagem. O prompt é o texto que você escreve para iniciar a conversa e solicitar uma resposta ou ação do modelo. Pode ser uma pergunta, uma instrução, uma declaração ou qualquer texto que você queira que o modelo responda. O modelo então utiliza o prompt para gerar uma resposta relevante com base no contexto fornecido.
Por sua vez, search é a procura de informações na internet usando um motor de busca. O motor de busca retorna uma lista de páginas web relevantes após a digitação de uma consulta, podendo compor notícias, links patrocinados ou imagens. Ao longo dos anos, ferramentas de busca adotando técnicas de scraping/snippet passaram a apresentar na primeira página da busca a organização da resposta de modo que desincentivasse o usuário a clicar na lista de sites elencados. Para isso, deu-se o nome de “zero click searches”. Esses resultados também são conhecidos como featured snippets, answer boxes ou painéis de conhecimento.
Pesquisas sem clicar na prática significa que os usuários podem obter os dados que precisam diretamente na página de resultados do motor de busca, sem precisar clicar em links adicionais. Isso ocorre quando motores de busca como o Google fornecem respostas imediatas para perguntas comuns exibindo informações como definições, datas, cálculos, previsões do tempo, dados de voos, entre outras informações diretamente nos resultados da pesquisa.
Por exemplo, se você pesquisar “tempo em São Paulo”, o Google pode mostrar a previsão do tempo diretamente na página de resultados, eliminando a necessidade de visitar um site específico para obter esses dados. O mesmo aconteceu com comparação de preços de produtos em lojas distintas ou em localização e avaliação de negócios, substituindo soluções como o Buscapé ou Yelp, ensejando questionamentos concorrenciais inclusive no CADE aqui no país.
Para se ter uma ideia da dimensão, segundos dados de 2020, no mobile, 77% das pesquisas na ferramenta de busca do Google eram um destino auto contido e não resultavam e nenhum clique nos sites listados na busca.
A ideia tem um impacto significativo na Search Engine Optimization (SEO), otimização de motores de busca (em português), pois sites podem receber menos tráfego, mesmo que os sites estejam listados nos resultados de pesquisa. No entanto, se antes havia o SEO como o propósito de otimização de motores de busca para otimizar o conteúdo e aumentar sua visibilidade nos resultados de busca com o objetivo de aumentar o tráfego não pago orgânico para os sites, agora entra em cena o Prompt Engineer.
A engenharia de prompts envolve a criação de comandos otimizados para modelos de linguagem para obter respostas mais relevantes e precisas. O objetivo é maximizar a eficiência das respostas produzidas pela inteligência artificial.
As principais ferramentas de pesquisa, como o Google, o Bing e o Yahoo! indexam uma grande quantidade de informações disponíveis na internet. O mecanismo fornece uma lista de páginas web relevantes durante a realização de uma busca. Mas existem dificuldades associadas a este processo:
(i) Volume de Informações: O usuário deve filtrar manualmente as páginas pertinentes devido à grande quantidade de dados disponíveis.
(ii) Relevância: O usuário deve fazer uma avaliação crítica devido ao fato de que nem todas as informações apresentadas são precisas ou relevantes.
(iii) Fragmentação: As respostas podem estar dispersas em várias fontes, o que significa que o usuário deve combinar dados de vários lugares para obter uma resposta completa.
A inteligência artificial, particularmente os modelos sofisticados como o GPT-4, aborda esses problemas de várias maneiras, tornando as respostas mais acessíveis e úteis:
(i) Organização de dados: A IA tem a capacidade de sintetizar dados de várias fontes e produzir uma resposta coesa e consolidada. Isso economiza tempo porque os clientes não precisam consultar várias fontes.
(ii) Contextualização: A IA pode compreender e manter o contexto de uma conversa, o que lhe permite fornecer respostas mais precisas e pertinentes às perguntas posteriores.
(iii) Customização e Precisão: A IA tem a capacidade de ajustar as respostas de acordo com o histórico do usuário, preferências e contexto da pergunta, algo que as ferramentas de busca convencionais não podem fazer.
(iv) Relevância: A IA pode gerar respostas mais precisas e úteis selecionando o conteúdo mais relevante.
(v) Respostas Instantâneas: A IA reduz significativamente o esforço de busca, fornecendo respostas diretas e imediatas. Isso difere de uma busca que fornece uma lista de páginas para o usuário examinar.
(vi) Interação Natural: A IA permite que os usuários interajam de forma mais natural, fazendo perguntas adicionais ou solicitando respostas em tempo real.
(vii) Validação e Atualização: Modelos de IA são treinados em vastos conjuntos de dados, que incluem fontes verificadas e de alta qualidade. Como resultado, as respostas são mais precisas e atualizadas.
(viii) Correção de Alucinações: Os modelos são constantemente aprimorados para reduzir esses erros e aumentar a confiabilidade, apesar da possibilidade de a IA produzir “alucinações”, em que pese sejam recorrentes.
E foi por isso que as empresas donas de ferramentas de busca como Google e a Microsoft passaram a enxergar na IA uma ameaça aos sistemas de busca tradicional. Sendo grande investidora da OpenAI, a Microsoft já agregou respostas de IA ao seu buscador Bing. Isso permite que prompts sejam lançados na barra de busca diretamente, para fornecer respostas diretas a perguntas específicas evitando que o usuário clique em um link.
Assim, surgem os snippets ricos, que destacam partes relevantes do conteúdo das páginas da web. A análise do conteúdo de uma página permite que algoritmos de inteligência artificial produzam automaticamente dados organizados para analisar as avaliações e feedback dos usuários e coletar informações úteis, sentimentos predominantes e pontos mencionados principais, que podem ser incorporados em rich snippets.
As ferramentas de IA podem avaliar o desempenho de rich snippets com base em taxas de cliques (CTR) e outros métricas. Isso resulta em sugestões para melhorar a eficácia e a visibilidade dos snippets. Algoritmos de visão computacional, por exemplo, podem identificar e selecionar imagens relevantes para serem usadas nos snippets ricos.
A inteligência artificial tem a capacidade ainda de extrair informações estruturadas de conteúdo não estruturado, como textos extensos, e posteriormente formatá-las para uso no formato dos snippets. O uso da IA visa tornar os rich snippets mais informativos e atraentes, aumentando a visibilidade da página e da publicidade vinculada.
Recentemente, o Google lançou a AI Overviews, uma nova funcionalidade do Google Search que usa inteligência artificial para fornecer respostas detalhadas e rápidas às perguntas dos usuários. Alimentada pelo modelo de linguagem Gemini, adaptado para o Google Search, a AI Overviews incorpora recursos avançados como planejamento, raciocínio multietapas e multimodalidade (integração de imagens, texto e vídeo) com os sistemas de busca convencionais do Google.
O AI Overviews causou polêmica por suas respostas imprecisas e, ocasionalmente, perigosas. Muitas vezes, o sistema não sabe quando uma fonte está fazendo piadas. Algumas vezes, o sistema usou fontes satíricas, humorísticas ou criadas pelos usuários para fornecer conselhos enganosos. Embora o Google certamente esteja trabalhando para melhorar o sistema e evitar esses problemas, a precisão continua a ser um problema.
Mas como nada se cria e tudo se copia, é natural que a sociedade civil, o jornalismo e as comunidades cientifica e acadêmica entendam que os snippets ricos apresentam implicações ainda mais sérias na medida em que buscam informações de bases de dados e conteúdos treinados levantando questões significativas em termos de remuneração autoral, ética, concorrência e acesso integral e seguro à informação.
Os snippets ricos ou respostas de IA nas buscas sem critérios e anabolizando o zero click search podem sim comprometer ainda mais o delicado ecossistema informacional e obviamente o desinformacional. Os snippets ricos e as pesquisas zero clique representam algumas ameaças e desafios para a internet, principalmente para sites de conteúdo e otimização de mecanismo de pesquisa. Algumas das principais preocupações incluem:
(i) Redução do tráfego de sites: os usuários não precisam clicar em links para acessar sites porque podem obter a resposta diretamente na página de resultados do motor de busca. Isso pode diminuir drasticamente o tráfego do site, o número de visitas e as receitas de publicidade e visibilidade online.
(ii) Dependência de Plataformas de Busca: Os sites dependem mais dos motores de busca para aumentar o tráfego porque mais informações estão disponíveis diretamente nos resultados de busca. Isso aumenta a autoridade e a influência de empresas como o Google, que têm autoridade para estabelecer termos e condições que afetam sites de conteúdo.
(iii) Monetização e Receitas: Muitos sites dependem de vendas de produtos, assinaturas ou anúncios. A diminuição do tráfego causada pelos snippets ricos pode afetar esses modelos de monetização e, eventualmente, levar à perda de receita ou até à falência de uma empresa.
(iv) Impacto na Diversidade de Informações: Quando os motores de busca escolhem uma única fonte para fornecer a resposta a um fragmento, eles podem negligenciar outras fontes. Isso pode resultar em uma concentração de dados e uma redução na diversidade de perspectivas disponíveis para os usuários.
(v) Precisão de Conteúdo e Qualidade das Respostas: As informações em fragmentos ricos nem sempre são as mais precisas ou completas. A confiança excessiva nesses aspectos pode resultar na disseminação de informações falsas ou incompletas, afetando a qualidade do conhecimento acessível.
(vi) Desafios com a otimização de motores de busca: As estratégias de otimização de motores de busca precisam ser constantemente ajustadas para lidar com as mudanças nos algoritmos dos motores de busca e a predominância de snippets ricos. Como resultado, as empresas podem precisar de mais recursos e esforços para manter sua relevância nos resultados de busca.
A busca já sofre mudanças importantes como no comportamento da geração Z em substituir as ferramentas de buscas tradicionais pelo TikTok, uma vez que a rede social ressoa com os valores da geração mais jovem por oferecer uma experiência visual imersiva e conteúdo engajador. “Isso aponta uma profunda mudança geracional nas preferências de busca”, afirma Fernando Dinelli, publicitário, Mestre em Comunicação e Professor.
Isso sem falar do uso da voz como comando para que a IA faça tarefas, pesquisas, agende compromissos, leia mensagens, solicite transporte ou promova compras por aplicativos, exatamente como no filme Her na inesquecível voz de Scarlett Johansson, afastando potencialmente de vez a necessidade de ferramentas de busca tradicionais.
Inclusive, o lançamento da última atualização do ChatGPT, o GPT-4o, foi marcado com a polêmica em que a atriz se diz chocada por ter sua voz imitada pela assistente virtual da OpenAI que posteriormente retirou a “Sky” da plataforma.
A verdade é que a resposta virou uma commodity. A internet e os avanços na tecnologia de busca e inteligência artificial tornaram muito fácil obter informações.
Qualquer pessoa conectada à Internet pode acessar uma infinidade de dados em segundos. O desenvolvimento de modelos de linguagem robustos permitiu a criação de respostas rápidas e sofisticadas para perguntas complexas. Isso significa que muitas respostas podem ser encontradas quase instantaneamente, em vez de levar tempo e esforço para serem encontradas ou formuladas antes.
O valor diferencial não está mais na posse da informação; mas na capacidade de interpretá-la, aplicá-la de maneira criativa e contextualizada, e tomar decisões informadas com base nela. Quando as respostas se tornam commodities, seu valor diminui. Fazer perguntas pertinentes, analisar criticamente os dados e sintetizá-los em insights acionáveis é uma habilidade que se torna cada vez mais valiosa.
A qualidade e a confiabilidade das respostas podem variar muito, mesmo sendo amplamente disponíveis. É fundamental ser capaz de distinguir entre fontes confiáveis e não confiáveis e verificar a precisão das informações. Muitos especialistas afirmam que estamos na idade da pedra lascada da IA, onde alucinações e erros são muito frequentes ainda, embora os avanços sejam impressionantes.
Na era do prompt, mais importante do que as respostas são as perguntas.
Essa mudança fundamental na forma como interagimos com a informação e a tecnologia é representada pela noção de que o futuro realmente consiste em saber perguntar mais do que responder. A habilidade de fazer perguntas adequadas é essencial para navegar por uma infinidade de informações, incentivar a inovação, interagir com tecnologias avançadas e tomar decisões informadas. A arte de fazer perguntas certas pode abrir novas fronteiras de conhecimento e possibilitar avanços significativos em várias áreas de conhecimento.
Como sabemos que nem tudo são flores, a IA enfrenta questionamentos éticos relevantes. As ameaças à IA são variadas e complexas, incluindo desinformação, segurança cibernética, desemprego e uso militar de tecnologias autônomas. Para enfrentar essas ameaças, legisladores, reguladores, desenvolvedores de tecnologia e a sociedade em geral devem trabalhar juntos para garantir que o desenvolvimento e o uso da IA sejam éticos e seguros.
Os agregadores de notícias e as redes sociais são projetados para fornecer atualizações rápidas. Esse método oferece conveniência e rapidez, mas frequentemente omite detalhes e nuances, o que pode resultar em informações incorretas ou uma interpretação errada dos eventos. Com uso de solução em destaque de snippets ricos na busca a Web pode estar ameaçada.
Owen Meredith, diretor executivo da News Media Association, disse ao The Media Leader que os editores estão, preocupados com o fato de a funcionalidade desincentivar os utilizadores a clicar nos endereços eletrônicos para os sítios web dos publishers e se informando com base em informações imprecisas.
A missão declarada da Google é “organizar a informação mundial e torná-la universalmente acessível”, enviando os visitantes para os sítios Web”, disse Meredith. “Introduzir [IA generativa] na pesquisa e nas sínteses de IA que sintetizam e apresentam diretamente a informação ao utilizador corre o risco de desencorajar os utilizadores de clicarem nos links originais, ameaçando, por sua vez, o modelo de negócio daqueles que investem no jornalismo e na informação de qualidade.”
Apolo, o deus da mitologia grega, é frequentemente associado ao conhecimento e à sabedoria, conhecido por ter respostas para todas as perguntas. Uma das manifestações mais conhecidas de Apolo como fonte de respostas é através do Oráculo de Delfos – um santuário dedicado a ele, onde a sacerdotisa Pítia proferia profecias, cujas respostas eram consideradas infalíveis, abordando desde questões políticas até dilemas pessoais.
O Oráculo de Delfos era visto como uma fonte de sabedoria e conhecimento profundo, embora as respostas fossem frequentemente enigmáticas e exigissem interpretação. Todos os anos, pessoas de toda a Grécia e de outros lugares visitavam Delfos para consultar o Oráculo sobre uma variedade de assuntos. Para garantir sua benevolência, os consulentes ofereciam sacrifícios e presentes a Apolo antes de fazer suas perguntas. Os nossos sacrifícios não podem ameaçar nossa privacidade, acesso à informação correta, direitos patrimoniais e fundamentais.
Inteligência Artificial e Oráculo de Delfos são ambos considerados fontes importantes de conhecimento e orientação em seus contextos históricos. Ao mesmo tempo em que o Oráculo representava a sabedoria divina e os mistérios, a Inteligência Artificial representa o ápice da tecnologia e do conhecimento humano. Para que as fontes sejam realmente úteis e influentes, ambas devem ser interpretadas e aplicadas com cuidado.
David se engana acreditando que pode se tornar um menino real. Sua saga nos mostra que a verdade pode ser sacrificada pela utilidade ou conveniência, mas a autenticidade e a profundidade das informações podem ser comprometidas.
A verdade sacrificada pode levar a uma sociedade onde a desinformação e a superficialidade prevalecem, comprometendo a essência do entendimento e do conhecimento.