SOCIEDADE DESCENTRALIZADA – PARTE II: Guerra e Cripto

“Não sei com que armas será travada a III Guerra Mundial, mas a IV Guerra Mundial será travada com paus e pedras”.

– Albert Einstein

“Somente os mortos viram o fim da guerra”.

– Platão

“A excelência suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar”.

– Sun Tzu

“A imaginação é a única arma na guerra contra a realidade”.

– Lewis Carroll

“A guerra é uma questão não tanto de armas, mas de dinheiro”.

– Tucídides

Toda guerra é triste. Não provoca apenas um atentado à paz. Provoca fome, dor, destruição e avassala a esperança. É um atestado do fracasso da comunicação, da civilidade e da humanidade.

Contudo, apesar do caos instaurado pelas guerras e da instabilidade dos períodos pós-guerra, sob o ponto de vista da Economia e da Tecnologia, pode-se mudar a percepção da história e, até mensurar ganhos para o desenvolvimento da sociedade.

A criptografia é parte de guerras há muito tempo! Júlio César já usava uma forma de criptografia para transmitir mensagens a seus generais – a cifra de César. Os livros de história e a 7ª arte já contaram sobre os feitos do matemático Allan Turing, que decifrou a comunicação da Alemanha nazista durate a Segunda Guerra Mundial. Enfim, “Crypto Wars” é coisa antiga, mas não ultrapassada.

Porém, esta é a primeira guerra com impacto geopolítico global na era das redes sociais e dos criptoativos. Sim, eu sei. Conflitos foram orquestrados por redes sociais anteriormente, a exemplo da Primavera Árabe que levou a guerra à Síria… Mas, nada com o potencial aniquilador que assistimos agora envolvendo a Rússia e a Ucrânia e, consequentemente, o mundo.

No que tange às plataformas de mídia digital, líderes como o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky manifesta-se abertamente pelo Twitter e por serviços de mensagem, o que tem lhe rendido popularidade e respeito de seu povo. O presidente Vladmir Putin usa a mesma plataforma, assim como outros atores relevantes no processo como Biden, Macron e Olaf Sholz.

O Facebook e o Twitter foram bloqueados pelos órgãos oficiais russos após adotarem medidas de restrição a monetização e combate à desinformação. As mídias tradicionais como a BBC e Deutsche Welle foram igualmente barradas e censuradas.

O TikTok suspendeu as publicações de vídeos da Rússia para manter seus funcionários a salvo e cumprir as novas leis sobre “notícias falsas” naquele país. Já o YouTube aplicou o bloqueio geográfico para evitar que conteúdos de sites noticiosos russos fossem espalhados na Europa.

Cabe destacar que, em resposta à debandada das big techs e às sanções estrangeiras, a Rússia já estuda a possibilidade de flexibilizar as regras de licenciamento de softwares para garantir o funcionamento de empresas e instituições no país, o que pode levar à “legalização” da pirataria.

Bem, não pára por aí. A cultura do cancelamento alcançou todo um país. A Rússia tem sofrido baixas também no esporte ao ter sido banida da Copa do Catar, além de ter perdido um de seus pilotos da temporada 2022 da F1. Empresas como Nike, Apple, Amex, Visa e Mastercard paralizaram suas atividades no país, que vem sofrendo duras sanções econômicas por parte da comunidade internacional.

Seus oligarcas tem tido perdas bilionárias, e parte do sistema financeiro russo foi banido da Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications (SWIFT), promovendo até a inédita posição de não neutralidade por parte da Suíça, a meca do dinheiro.

Embora sejam um instrumento comum da política externa de muitos países, Nicholas Mulder discorre de forma cabal em seu livro “A arma econômica” sobre a eficácia e as consequencias das sanções econômicas em tempos de guerra.

Em 1919 o presidente americano Woodrow Wilson descreveria sanções econômicas como “algo mais tremendo do que a guerra”: a ameaça era “um isolamento absoluto … que traz uma nação aos seus sentidos assim como a asfixia remove do indivíduo todas as inclinações para lutar … Aplique este remédio econômico, pacífico, silencioso e mortal e não haverá necessidade de força. É um remédio terrível. Não custa uma vida fora da nação boicotada, mas traz uma pressão sobre essa nação que, a meu ver, nenhuma nação moderna poderia resistir”.

De fato, o isolamento via restrições econômicas parece surtir graves efeitos em economias como Cuba, Coreia do Norte e Irã. No entanto, em economias como a Rússia, que possui parceiros como a China, as sanções econômicas mesmo quando aplicadas com determinação, tem seus efeitos minimizados.

Em meu artigo Internet modo desglobalização (2020) apontei que o presidente francês Macron alertava para duas formas distintas de Internet: a californiana e a chinesa. No texto, lembrei que “a Rússia publicou uma lei que permite a criação de uma infraestrutura que garanta o funcionamento de uma internet russa isolada da internet global e que determina o direcionamento do tráfego da internet russa para servidores que estejam dentro do país”. Naquela oportunidade abordei o avanço da desblogalização com o protecionismo americano e a pandemia. Agora demos mais um passo com o conflito militar de tensões superlativas.

Mas, a internet sempre acha um jeitinho de romper barreiras. O dinheiro também! Pouco tempo antes da invasão Russa ao território ucraniano, o banco central russo recomendou a proibição do uso e da mineração de criptomoedas sob riscos e ameaças à estabilidade financeira, ao bem-estar dos cidadãos e à soberania de sua política monetária. Contudo, a orientação não foi seguida pelo Kremlin, que certamente enxergou as vantagens competitivas do país na mineração. Estaria o líder russo se antecipando a certeza de sanções econômicas?

Pelo sim, pelo não, a verdade é que a trading de criptos disparou na Rússia à medida que o rublo foi ferido pelas sanções ocidentais que visam apertar a economia russa e apartá-la do sistema financeiro global.

Isto ocorre porque moedas digitais são comumente descentralizadas, não são emitidas por um banco central. Quando a criptografia é enviada a outros usuários, ela passa a margem da estrada financeira tradicional. É pouco provável que esse movimento seja suficiente para salvar a economia russa e os bolsos dos oligarcas russos, mas é uma tendência importante para observar, pois pode ter desdobramentos em futuras regulações.

O CEO da Coinbase, gigante do setor, Brian Armstrong, disse que todos os negócios nos EUA têm que seguir a lei. “Não importa se sua empresa lida com dólares, criptográficos, ouro, bens imóveis ou até mesmo ativos não financeiros. As leis de sanções se aplicam a todas as pessoas e empresas americanas. Portanto, seria um erro pensar que negócios criptográficos como a Coinbase não seguirão a lei”. É claro que seguiremos. É por isso que selecionamos pessoas que se inscrevem em nossos serviços contra listas de vigilância globais e bloqueamos transações de endereços IP que possam pertencer a indivíduos ou entidades sancionadas, como qualquer outra empresa de serviços financeiros regulamentados. Dito isto, não achamos que haja um alto risco de oligarcas russas usarem criptográficos para evitar sanções. Por ser um livro-razão aberto, tentar fazer muito dinheiro através do cripto seria mais rastreável do que usar dinheiro, arte, ouro ou outros ativos em dólares americanos.”, disse Armstrong.

O especialista, professor e entusiasta do mundo cripto, Shelly Palmer concorda: “Finalmente, não há dados que sustentem a preocupação de que haja qualquer uso de criptografia em larga escala para evitar as sanções. A maioria dos mercados criptográficos não tem a liquidez necessária para movimentar grandes quantidades de dinheiro.”

Mas, e do outro lado da fronteira? A Ucrânia tem recebido doações para resistir ao avanço russo através de criptomoedas como o Bitcoin. Já na primeira semana de guerra, o governo ucraniano postou no Twitter endereços de contas para levantar fundos para apoiar seus civis e tropas aceitando doações em Bitcoin (BTC), Ether (ETH) e Tether (USDT).

O Ministro da Transformação Digital da Ucrânia, Mikhail Fedorov,convocou os apoiadores do DOGE, como Elon Musk e o fundador do Dogecoin, Billy Markus, para doar aos militares da Ucrânia e “salvar vidas de invasores russos”.

Elon Musk, aliás, lançou seus serviços satelitais de conexão para ajudar aquele país. “O serviço Starlink agora está ativo na Ucrânia”, publicou Musk, CEO da Tesla, no Twitter. “Mais terminais a caminho”, sentenciou.

Desde que Moscou invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, mais de 102.000 doações de criptos – totalizando US$ 54,7 milhões – foram para o governo ucraniano e para o “Come Back Alive“, uma ONG de apoio aos militares. O número não para de crescer. Um NFT da bandeira do país arrecadou 2,258 ETH ou 6,75 milhões de dólares por meio de leilão da Ukraine DAO.

Apesar do sofrimento, milhares de ucranianos também estão se voltando para a criptografia como uma alternativa às instituições financeiras que limitam o acesso às contas bancárias e moedas estrangeiras. A trading na plataforma cripto ucraniana Kuna atingiu seu nível mais alto.

Segundo Hugh Harsono, oficial no Exército dos Estados Unidos que estuda ciberespaço, economia, relações exteriores e tecnologia, “A era digital está remodelando o ambiente operacional moderno de forma inescapável. Desde permitir vantagens competitivas através da manipulação do mercado global até sancionar a evasão, as moedas criptográficas serão um componente desta remodelação. Compromissos cinéticos decisivos deram lugar a ciberataques calculados, e as moedas digitais são cada vez mais parte integrante da guerra moderna. É necessário que os formuladores de políticas reconheçam esta dinâmica em evolução – mas é igualmente importante que os profissionais militares entendam. Isto é tanto mais verdadeiro quanto entramos em uma era complexa de grande competição de poder.”

Certamente esta não é a primeira vez e nem a última vez que as pessoas se voltam para a criptografia em meio a um grande conflito local/geopolítico/diplomático/militar. Contudo, a dimensão que a criptografia alcançou é gigantesca, pois além das comunicações cifradas, estamos tratando de dinheiro.

Mas, vamos com calma! O momento é de solidariedade e compaixão. É uma excelente oportunidade para entender os mecanismos atuais da descentralização e a sua aplicabilidade verdadeiramente humana no futuro.

#Oremos para fim desse pesadelo no leste europeu. Até lá fico com Jean-Paul Sartre: “quando os ricos fazem guerra, são sempre os pobres que morrem”.

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